Friday, February 16, 2007

Harley e o valor de comunidade





Mesmo comercializando um produto de nicho, a Harley Davidson está regularmente entre as marcas mais conhecidas nos EUA.


Paulo Gonçalves Marcos

A Harley Davidson Motor Company trabalhou em exclusivo para o exército dos EUA, durante a II Guerra, produzindo milhares de motociclos que iriam demonstrar o seu carácter nos campos de batalha da Europa. Associadas aos vendedores, as Harley tornaram-se elas também objecto reverenciado num lado e do outro do Atlântico. Assim começou a construção do mito… Trinta anos mais tarde, rodeada de agressivos concorrentes japoneses, a empresa foi acossada por problemas na qualidade de construção e por um reduzido investimento tecnológico. No espaço de dois lustros, apenas, a quota de mercado minguou para um quarto. As firmas japonesas pareciam avassaladoras demais para não ser vaticinada a falência previsível da empresa...

A década de oitenta, contudo, marca o início do renascimento da marca Harley. Este assentou em dois eixos: recuperação da excelência mecânica; reposicionamento como produtora de ícones culturais e de ostentação de uma peculiar forma de vida. Para isto jogaram um papel instrumental o Harley Davidson Owners Group (HOG) e a Posse Ride. O HOG, oficialmente um instrumento de estímulo aos proprietários para partilha de experiências e paixões, depressa revelou o seu verdadeiro fito: contributo para o esforço de reposicionamento e de credibilização social da marca. Esta estava, desde meados da década de 60, associada a espíritos demasiado livres que percorriam sem lei nem ordem as estradas. Inúmeros filmes de Hollywood retratam magistralmente esta realidade marginal. Actualmente o HOG tem mais de um milhão de membros, sendo a maior organização deste género no mundo do motociclismo. Personagens singulares, pertença de uma América profunda, masculina, branca. Os membros encarnam o espírito dos pioneiros americanos: ao cidadão respeitador da lei e engravatado, durante a semana de trabalho, sucede o cidadão espírito livre, suavemente rebelde e amante da liberdade, ao fim de semana.

A Posse Ride é, na sua essência, uma excursão de alguns dias, geralmente em percurso de milhares de quilómetros. Mas o que a distingue é a forma metódica como os gestores da Harley e do HOG aplicam subtilmente sofisticadas técnicas de ‘marketing’. Onde gestores e consumidores se juntam e convivem. Num contacto, não intermediado, estimulando a manutenção do espírito gregário Harley. A Posse Ride é também uma oportunidade ímpar de falar de novos produtos e conceitos, criando excitação em torno deles... a uma audiência cativa, maravilhada por estar a ser como que “ungida” pela revelação…quais disseminadores de novidades junto de seus amigos e familiares... A participação dos quadros de topo da Harley contribui para reforçar a sensação de pertença a uma grande família, estabelecendo laços de lealdade potencialmente perduráveis no tempo.

A Harley não tem produzido as motos de maior excelência mas tem, de longe, uma marca mais forte que lhe permite licenciar produtos a mais de 100 diferentes empresas produtoras de acessórios diversos. Isto possibilita-lhe uma tremenda exposição, potenciada pela Posse Ride qual comboio de publicidade gratuita. Assim, mesmo comercializando um produto de nicho, a Harley Davidson está regularmente entre as marcas mais conhecidas nos EUA, ombreando com outras marcas lendárias como a Coca-cola ou a Disney.

O exemplo da Harley ilustra uma marca que reclama legitimamente um “Valor para uma Comunidade”, em muito excedendo as marcas com valor apenas comercial. Para este desiderato ela detém alguns atributos singulares: ilustra valores e objectivos dos consumidores e possui um elevado valor cultural; serve como identificador e símbolo de pertença; e é usada de forma notória e muito pública.

Como corolário, o gestor de ‘marketing’, no sentido de criar valor, deve tentar capitalizar no “Valor de Comunidade” que a sua marca desejavelmente possui. Empenho e espírito podem derrotar concorrentes mais apetrechados financeiramente.

www.marketinginovador.blogspot.com
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Paulo Gonçalves Marcos, Economista, gestor e professor universitário

Friday, February 02, 2007

As “novas tribos” do futebol






No caso do futebol profissional o ‘marketing’ inovador enquanto técnica está a dar os primeiros passos de forma segura e competente.

Bruno Valverde Cota

Um dos traços mais distintivos das sociedades modernas actuais é o da existência de grupos de pessoas, amiúde assaz heterogéneas, que partilham emoções e paixões. Mais importante, esta partilha traduz-se na existência de comportamentos vividos de forma comum.

As tribos das sociedades modernas resultam da canalização da emoção e da paixão para algum tipo de actividade, geralmente associada a uma forma de ocupação de tempos livres. Um conjunto de rituais (uma águia que plana e aterra antes de cada jogo sobre um pedaço de carne crua), quais tripas de borrego que um sacerdote pagão romano inspeccionava antes de grandes momentos políticos ou militares. Com lugares de culto (estádios, recintos desportivos, pavilhões), objectos de culto, hinos e ídolos, numa “parafernália” que em nada fica a dever a qualquer culto ou seita religiosa.

No caso do futebol profissional o ‘marketing’ enquanto técnica está a dar os primeiros passos de forma segura e competente. Talvez o que distinga esta actividade económica de outras seja o facto de os clientes a não reconhecerem enquanto tal. Emoção e paixão são forças dominantes, levando a que os adeptos não raras vezes pertençam a tribos alinhadas com os grandes clubes profissionais de futebol. Verdade se diga, que no passado presidentes de agremiações desportivas, dirigentes de clubes de futebol e por vezes atletas, já utilizavam algumas técnicas do ‘marketing’, conquanto estas fossem a mais das vezes não articuladas e desprovidas de intento estratégico. O que caracteriza a recente interpenetração do ‘marketing’ com o desporto profissional, em mercados que não os dos Estados Unidos da América do Norte, é o seu carácter metódico, o seu rigor e os resultados que consegue. Ao ponto de cada vez mais os clubes de futebol dedicarem uma relevância de gestão crucial ao ‘marketing’, quase ao nível da atenção que dedicam à gestão desportiva. De facto, uma função de ‘marketing’ forte e consistente é entendida em muitos clubes profissionais como condição indispensável ao progresso de clubes ou de sociedades.

Os exemplos do Real Madrid ou do Manchester United são, a nível internacional, exemplos do que acaba de ser afirmado. Atente-se um pouco em algumas realidades: a) possuem adeptos não apenas nos países de origem e nas regiões circundantes às cidades onde estão baseados mas em todo o mundo, com especial destaque para o Continente Americano e a Ásia; b) os adeptos dos países de origem, “nacionais”, estão focalizados no desempenho desportivo e a sua lealdade é para com o clube; c) pagam quotas de sócios e compram bilhetes de época e ainda algum ‘merchandising’; d) os adeptos internacionais estão mais interessados num jogo esteticamente belo, mais fiéis aos jogadores bonitos e com carisma internacional que ao clube; e) consomem principalmente direitos televisivos e camisolas; f) para além dos adeptos ainda existem os patrocinadores que buscam associar-se a emblemas desportivos prestigiados, de penetração em múltiplos mercados, vencedores.

Dois exemplos apenas ilustram a importância do ‘marketing’ neste dois potentados:

- a conferência de apresentação, feita às 11 horas de Madrid de David Beckam, aquando da transferência de Manchester para o Real Madrid, foi, até à época, o segundo evento mais televisionado à escala mundial;

- o Instituto de Turismo da Malásia anuncia um patrocínio de três anos com o Manchester United, preterindo o Chelsea, pois o United tem maior projecção e adeptos que os ‘blues’ londrinos.

Em suma, os grandes clubes profissionais de futebol são muito mais que agremiações desportivas. Cotadas ou não em bolsa e dispondo de vultuosos orçamentos anuais, o desempenho desportivo é relevante mas não o único objectivo. Captar patrocinadores, negociar novos e acrescidos direitos televisivos ou de ‘merchandising’, digressões ao Extremo Oriente, entre outros, passam a ser metas instrumentais de relevo e de ‘marketing’.

www.marketingfaculty.com
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Bruno Valverde Cota, Doutorado em Gestão de Empresas e especialista em assuntos de Marketing, Comunicação e Marcas